Depois de dois singles divulgados, a LADAMA finalmente lança seu segundo disco, Oye Mujer. Na banda, quatro mulheres de várias partes das Américas; Mafer Bandola (voz/bandola llanera – Venezuela), Lara Klaus (voz/bateria e percussão – Brasil), Daniela Serna (voz/tambor alegre – Colômbia) e Sara Lucas (voz/guitarra – EUA).

Juntas, elas usam a música como ferramenta de transformação social e empoderamento de mulheres e jovens e atuam socialmente em comunidades por meio de apresentações ao vivo, residências e oficinas para todas as idades.

 

OYE MUJER

O disco é um chamado urgente para mulheres em todo o mundo. O grupo canaliza a força da mulher diante de crises globais, destruição ambiental sem precedentes e políticas de imigração injustas .

Para este portal, o disco é um dos maiores presentes do ano e já nos conquistou. Uma poesia para os ouvidos. Uma obra de arte.

E celebrando este lançamento, batemos um papo com a banda, onde as meninas falam sobre o disco, referências e, obviamente, dos diversos temas abordados no disco. Confira na íntegra!

 

ARTES – Musicalmente falando e na opinião de vocês, quais são as mudanças do primeiro para o segundo disco?

DANIELA – Este disco foi a primeira oportunidade para nós, como banda, de ter liberdade criativa, experimentar novas sonoridades, instrumentos e abordagens. Chegamos ao estúdio Kassin, no Rio de Janeiro, com várias músicas e, cada uma delas, evoluindo de maneiras inesperadas após duas semanas de gravações. A Maria Gonzalez é pioneira em tocar bandolim elétrico e, neste álbum, você também ouvirá versão acústica.

Como percussionista, [na gravação] toquei tambor alegre, congas, repique, flex-a-tone, maracas e todos os tipos de efeitos de percussão como um trovão em “Tierra Tiembla“. Usamos correntes e conchas, como um símbolo da luta e da vida pela qual os imigrantes lutam. Em “Misterio” gravamos garfos, colheres, facas, chaves e tudo o que encontramos ao nosso redor para criar os efeitos da música.

Com o estúdio nos ajudando, Lara Klaus e eu criamos batidas e sons eletrônicos para “Cada Uno” e “Maria“. Ter estas duas semanas para nós mesmas, no Rio, permitiu explorar mais profundamente em termos de detalhes, texturas, composições e a experiência sonora completa. E não é nada ruim acordar no Rio por duas semanas! Confie em mim!

 

ARTES – Como é o processo de composição da LADAMA? Cada uma compõe a música que canta ou é em conjunto?

SARA – Nosso processo de composição está sempre mudando. Para as músicas de Oye Mujer, nós começamos a escrever todas as músicas em dupla, exceto uma. Depois deste processo, as duplas apresentaram as canções para toda a banda e nos organizamos antes de ir para o estúdio. Algumas delas foram feitas durante as gravações.

[Foi um processo] Diferente do primeiro disco (LADAMA), que as músicas foram criadas na estrada e tocadas ao vivo, enquanto estávamos tentando nos entender sobre nossas origens culturais, gostos e habilidades musicais.

 

ARTES – Cada integrante é de um país e, provavelmente, as influências musicais são diferentes. Para o LADAMA, vocês definiram uma “pegada” para a banda ou as influências vão surgindo conforme vão criando as músicas?

MAFER – Nossa pegada é a diversidade em suas diferentes expressões. Como banda e projeto com impacto social, conectamos a ideia que nossa música diga algo que vá além de nossas vozes, nossos instrumentos, de nossos contextos e ancestrais, e que, se materializa a conexão com a consciência coletiva.

A música que fazemos é um rio que toca e toma a cor de cada uma de nossas margens. Cada uma das nossas raízes é alimentada por este rio. Nossas flores caem neste rio para serem polinizadas pelas abelhas de nossas idéias. As sementes crescem em cada uma de nossas terras perto daquele rio. Então essa é a nossa música, mais do que um traço, é um rio de identidades.

 

ARTES – Quais são as influências musicas de cada integrante?

SARA – Eu tenho tantas influências, nem sei por onde começar. Betty Carter é uma das minhas cantoras favoritas de todos os tempos, assim como Mavis Staples. Pop Stales tocando violão é uma das experiências mais transcendentes para mim. Cresci cercads por músicas gospel antigas, blues e R&B. Baden Powell é um dos meus instrumentistas e compositores favoritos de todos os tempos. Eu cresci tocando violão clássico e, felizmente, fui exposta a muita música brasileira quando jovem. Descobri ele [Baden] muito cedo para alguém que cresceu no rio Mississippi.

MAFER – Susana Baca / Speranza spalding / David Bowie / Sona Jobarteh / Hamilton de holanda / Olga Tañon / Leyla McCalla / Simón Díaz / Anoushka Shankar / Aquiles Baez / Vasallos del sol / Betsaida Machado / Jorge Drexler / Juan luis Guerra

LARA – Gilberto Gil, Moraes Moreira, Elis Regina, Chico Science e Nação Zumbi, Maracatu, Frevo e Coco, música percussiva do nordeste do Brasil, música negra norte-americana (R&B e soul).

 

ARTES – Em países comandados por mulheres, a luta contra o Covid foi muito mais bem sucedida que outros. Como vocês enxergam esta situação?

SARA – Não sei como explicar essa situação relacionando ao gênero. Países como Islândia, Nova Zelândia, Finlândia, Dinamarca, Alemanha e Taiwan possuem redes de segurança social robustas e populações menores. Eles já estavam à frente do jogo em termos de igualdade entre os sexos, chegando ao topo de muitas listas. Estes povos decidiram coletivamente criar um governo que os sirva e os proteja – sua escolha de líder se reflete nisso.

Não sei muito sobre Taiwan, mas sei que o governo está trabalhando para permanecer um estado autônomo da China. Garantir que estão preparados para combater a pandemia certamente comprova sua capacidade de manter um governo autônomo.

A pergunta que precisamos fazer sobre democracia é: como a vontade do povo se reflete na escolha de seu líder e, em seguida, como as ações do povo se desenrolam durante a pandemia?

Em relação às democracias, você pode usar os EUA como exemplo. Trump é o pior, mas também foi eleito pelo povo. Quero dizer, muitas pessoas neste país não têm humanidade, não se preocupam com a segurança e o bem-estar dos outros e ficam felizes em imitar sua ignorância, continuando a não usar máscaras, colocando em risco a vida de outras pessoas neste país e em todo o mundo.

Se você tem um país cheio de idiotas que elegem um idiota como presidente, isso ocorrerá em uma pandemia como essa. Isso pode se aplicar facilmente a outros países também. Portanto, todo o país precisa ser mais evoluído para que todos estejam trabalhando juntos para combater o vírus. Será que também precisam ser mais evoluídos para eleger uma mulher como líder?

 

ARTES – A luta feminista aparece cada vez com mais força no mundo, mas ainda, infelizmente, longe de garantir igualdade e segurança para as mulheres. Quais medidas devem ser tomadas, tanto pelas pessoas e, principalmente, pelos governos, para atingir esta igualdade?

DANIELA – Eu lembro de ver no meu caderno a letra de “Mar Rojo“, uma espécie de oração para enfrentar o medo da morte que espreitam nós, mulheres, nas ruas. A essência e a alma da música vem com a ideia que “Mar Rojo” é um símbolo da menstruação e o quão poderosa ela pode ser.

Acredito que, para garantir a segurança das mulheres, devemos interromper as micro-agressões em casa, no trabalho, nas ruas e reagir. A sociedade e a mídia objetivam nossos corpos há anos, educando os homens a acreditarem que têm poder sobre nossos corpos, mas NÃO TÊM.

Também fomos educadas a acreditar que satisfazer homens nos torna mais mulheres e isso não é simples. Você não precisa de um homem para ser completa. Você é completa! Precisamos começar a questionar tudo o que nos rodeia, o que a TV e a mídia estão nos dizendo, o que a música está nos ensinando e exigir conteúdo de qualidade que não se concentre em comportamentos misóginos perpetuados.

Precisamos ser inclusivas com a linguagem, com corpo, mente, alma e coração! Precisamos repor nossas mentes para educar a nós mesmos além dos estereótipos patriarcais e dos padrões binários. Precisamos, com urgência, de educação sexual real para ajudar as meninas a entenderem que são donas de seus corpos e que elas são extensões do território a que pertencem, para que tenham o direito de decidir e governar a si mesmas como uma ação política.

E, no quadro geral da luta feminista para esmagar as políticas patriarcais, precisamos de mais representação em posições de poder, mais mulheres trans, mulheres negras, mulheres indígenas e líderes LGBTQ + que nos cercam. Nós, como latina-americanas, precisamos parar de pensar que a América foi descoberta ou que Cristovão Colombo era um herói. Devemos descolonizar nosso conhecimento de nossa história. Caso contrário, estamos condenados à violência, opressão, exploração e corrupção dos governos, do patriarcado.

 

ARTES – Além dos homens, ainda há um grande número de mulheres mais machistas e conservadoras. Na visão de vocês, quais são as formas de conscientização para elas?

MAFER – A conversa e a troca de experiências são extremamente necessárias para contrastarmos como seres humanos. Precisamos do tecido social para nos projetarmos e nos dimensionarmos. Quando as mulheres se reúnem, criamos um espaço para nos ajudarmos e sermos melhores, não para nos julgar. Se nos atacarmos e nos criticarmos, criamos uma competição desnecessária entre nós. Estamos sendo expostas ao machismo. Precisamos reconhecer quão machistas e tóxicas nós, mulheres, podemos nos tornar

LARA – A partir desse reconhecimento, é fundamental começar discutir a importância da mudança de padrões e de conceitos que têm nos acompanhado por tantos e tantos anos. O que esses padrões estabelecidos pelo patriarcado têm causado às mulheres? Por que, por tanto tempo, objetificaram o corpo da mulher e nos deixaram de fora das decisões e nos privaram de direitos? Muitas mulheres machistas não se consideram assim porque nunca tiveram a oportunidade de enxergar diferente, por viverem exatamente imersas em uma vida totalmente guiada pelo machismo e sexismo.

ARTES – O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, já deu todos os tipos de declarações preconceituosas possíveis e, ainda, se mostrou despreparado para lidar com situações graves, como a pandemia. Se hoje vocês pudessem “dedicar” uma música de vocês para ele, qual seria e por que? 

LARA – O disco foi concebido a partir da nossa observação do mundo e das realidades de cada um dos nossos países, e nasce em um momento de mudanças. O período de quarentena tem nos feito refletir a respeito do nosso papel não só como pessoas que usam a música como ferramenta de educação – e em como podemos nos manter ativas nesse papel – mas também a respeito da importância da empatia. Nos colocarmos no lugar do outro nos torna pessoas mais sensíveis e solidárias, com a capacidade de entender e abraçar a diversidade, buscando a igualdade de direitos e oportunidades.

Aos nossos representantes falta, principalmente, a empatia (a Bolsonaro falta, além da empatia, todo o resto). Esperamos que esse período traga o entendimento e a consciência do reconhecimento das necessidades do próximo e que assim seja possível nos multiplicarmos em atitudes de transformação e desenvolvimento de uma sociedade mais acolhedora e justa para todas pessoas.

Deixo como recado um trecho da música “MAR ROJO”, que inspirou o título do disco:

Oye Mujer! Que nunca te falte fuego en el sendero
Porque al caer la noche los espantos salen de fiesta
En busca del miedo, huelen tu aroma
Que en el silencio es verdugo y embustero
Antes que correr vos vas a probar tu poder
No silencies tu intuición ni tus deseos
Soy humana, soy mujer, soy trans y no quiero
Que nos maten ni que apaguen nuestro fuego

 

Ouça abaixo o disco Oye Mujer (via Spotify)!