Em sua primeira entrevista após revelar-se transgênero, o ator Elliot Page, 34, diz a revista “Time” estar sentindo uma excitação e profunda gratidão por ter chegado a este ponto de sua vida, “misturado com muito medo e ansiedade”.
Page ainda é muito lembrado pelo papel de uma adolescente grávida em “Juno“, filme que lhe rendeu indicações ao BAFTA e ao Globo de Ouro, e afirma que já naquela época, aos 21 anos, ele não se reconhecia.
“Eu simplesmente nunca me reconheci. Por muito tempo eu não conseguia nem olhar uma foto minha“, revela à publicação. E complementa ser também difícil assistir a filmes, especialmente aqueles em que desempenhava papéis mais femininos.
Gravando a terceira temporada de “The Umbrella Academy“, em Toronto, no Canadá, Page conta ainda que quando apareceu em sucessos de bilheteria como “X-Men“, estava sofrendo de depressão, ansiedade e ataques de pânico, mas não sabia disso.
“Como explicar às pessoas que, embora [eu fosse] um ator, colocar uma camiseta com corte feminino me deixaria tão mal?“. O artista, observa a revista, tentou se convencer de que estava bem, que alguém que teve a sorte de ter chegado onde estava não deveria reclamar. Mas ele se sentia exausto por “simplesmente existir” e pensou mais de uma vez em parar de atuar.
“Me assumi gay mas seguia desconfortável com seu corpo”
Em 2014, Page se assumiu como gay. Em um discurso emocionado em uma conferência da Campanha de Direitos Humanos, ele falou sobre fazer parte de uma indústria “que impõe padrões esmagadores” aos atores e também aos espectadores.
“Existem estereótipos generalizados sobre masculinidade e feminilidade que definem como todos devemos agir, nos vestir e falar. E eles não servem a ninguém“, discursou na época.
O ator passou a usar ternos no tapete vermelho. E se casou com a coreógrafa Emma Portner em 2018. Produziu seus próprios filmes com atores LGBTQ+ como “Freeheld” e “My Days of Mercy”. E fez do guarda-roupa masculino uma condição para assumir papéis.
No entanto, a discórdia diária estava se tornando insuportável. “A diferença em como eu me sentia antes de assumir que era gay para depois foi enorme“, diz Page.
“Mas o desconforto com meu corpo alguma vez foi embora? Não não não não.” Em parte, foi o isolamento forçado pela pandemia provocada para conter a covid-19 que trouxe à tona a luta de Page contra o gênero ao qual lhe foi imposto ao nascer.
Ele e a companheira se separaram no verão passado e se divorciaram no início de 2021: “Tive muito tempo sozinho para realmente focar nas coisas que penso, de muitas maneiras, que inconscientemente estava evitando“, diz.
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“Finalmente pude me tornar quem eu sou”
Page observa que foi inspirado por ícones trans pioneiros como Janet Mock e Laverne Cox. E os escritores trans o ajudaram a entender seus sentimentos. Ele se viu refletido nas memórias de P. Carl, em “Becoming a Man: The Story of a Transition”. Por fim, “vergonha e desconforto” deram lugar à revelação.
“Eu finalmente fui capaz de aceitar ser transgênero“, diz Page, “e me permitir tornar-me totalmente quem eu sou“.
Isso levou a uma série de decisões. Uma foi pedir ao mundo para chamá-lo por Elliot, nome de que sempre gostou. Page tem uma tatuagem que diz E.P. PHONE HOME, uma referência a um filme sobre um menino com esse nome. A outra decisão foi usar o pronome ele.
Outra decisão foi fazer uma cirurgia para a retirada de seus seios. Como muitas pessoas trans, Page enfatiza que ser trans não significa apenas fazer uma cirurgia. Para algumas pessoas, é desnecessário. Para outras, é inacessível. E para o mundo, um convite para o sensacionalismo. Mas para ele a cirurgia foi algo possível em que finalmente pode se reconhecer diante do espelho. “Isso transformou completamente a minha vida“.
Por ser branco e bem-sucedido, Elliot diz que quer usar seu privilégio para ajudar outras pessoas trans. “Meu privilégio me permitiu ter recursos para passar e estar onde estou hoje, e é claro que quero usar esse privilégio para ajudar da maneira que puder.”
Durante a entrevista, Page se referiu repetidamente a si mesmo como um “cara trans”. Ele também se autodenomina não-binário e queer, mas, para ele, a transmasculinidade está no centro da conversa agora. “É uma jornada complicada”, diz ele, “e um processo contínuo”.
Agora de volta às gravações de “The Umbrella” como Elliot, Page revela que os colegas de trabalho ainda usam os pronomes errados, acidentalmente. “Vai ser um ajuste“. Qualquer que seja o desafio pela frente, Page parece entusiasmado em desempenhar novos papéis.
“Estou muito animado para atuar, agora que sou totalmente quem sou, neste corpo“, diz Page. “Não importam os desafios e momentos difíceis, nada equivale a sentir como me sinto agora.“